quarta-feira, fevereiro 13, 2019

[Resenha] Capitães da Areia


Título: Capitães da Areia
Autor: Jorge Amado
Páginas: 235
Editora: Galera Record
Ano: 1993
Skoob

Sinopse: Desde o seu lançamento, em 1937, Capitães da Areia causou escândalo: inúmeros exemplares do livro foram queimados em praça pública, por determinação do Estado Novo. Ao longo de sete décadas a narrativa não perdeu viço nem atualidade, pelo contrário: a vida urbana dos meninos pobres e infratores ganhou contornos trágicos e urgentes.

Várias gerações de brasileiros sofreram o impacto e a sedução desses meninos que moram num trapiche abandonado no areal do cais de Salvador, vivendo à margem das convenções sociais. Verdadeiro romance de formação, o livro nos torna íntimos de suas pequenas criaturas, cada uma delas com suas carências e ambições: do líder Pedro Bala ao religioso Pirulito, do ressentido e cruel Sem-Pernas ao aprendiz de cafetão Gato, do sensato Professor ao rústico sertanejo Volta Seca. Com a força envolvente de sua prosa, Jorge Amado nos aproxima desses garotos e nos contagia com seu intenso desejo de liberdade.


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Esses dias eu estava lendo uma matéria sobre a chacina da Candelária que aconteceu em 1993. Coincidentemente, dias depois, peguei esse livro de Jorge Amado para ler. Eu sabia que “Capitães da Areia” tem como assunto principal as crianças de rua, o que eu não sabia era que eu iria fazer tantas ligações com os garotos da Candelária.

Capitães da Areia é o nome do grupo de garotos que vivem na Bahia. São meninos menores de idade que, por diversos motivos, moram na rua e sobrevivem de pequenos furtos. O chefe do grupo se chama Pedro Bala. Bala é filho de grevistas e segue a ideologia de seu pai, que perdera prematuramente. Aos poucos vamos conhecendo também outros personagens, como Professor, Pirulito, Sem Perna, Gato, Boa-Vida, Volta Seca, João Grande, Dora e Querido-de-Deus. Cada um tem a sua história singular, e o autor aos poucos mostra os motivos que os levou a morar na rua.


Jorge Amado em nenhum momento justifica os furtos, pelo contrário, ele só conta de forma crua que os atos dos garotos foram induzidos pelas condições em que viviam. Isso me fez refletir inúmeras vezes, tornei-me mais humana. Quantas vezes uma criança de rua passou ao meu lado e eu ignorei? Pior: quantas vezes eu ouvi pessoas desejando a morte dos garotos porque eles são uma ameaça? Inúmeras. Não quero defender os roubos, e sim destacar que eles são “apenas” garotos abandonados, e fazem coisas ruins por consequência do aborto social que os joga para escanteio. E isso é chocante. Esse livro, escrito em 1937, retrata muito bem o século 21. 
Não compreendia. Por que eram odiados assim na cidade? Eram pobres crianças sem pai nem mãe. Por que aqueles homens bem vestidos tanto os odiavam?
É impossível não sentir empatia pelos personagens. Torci muito para que todos mudassem de vida. A gente vê essa mudança quando Dora chega no trapiche em que os Capitães moram. Dora é uma menina que perdeu a mãe para a varíola. Ela foi de casa em casa buscar emprego para sobreviver, mas as donas, sabendo que sua mãe morreu por causa da “doença maldita”, recusaram o pedido de ajuda. Dora, então, foi acolhida pelos Capitães da Areia, que inicialmente sentiram-se ameaçados por ela. Os meninos deixaram Dora ficar, e poucos dias depois ela tornou-se irmã, mãe e a esposa que os Capitães nunca tiveram.

Uma coisa muito ruim acontece com Dora e é após esse ocorrido que a vida dos meninos muda. Cada um começa a tomar um destino diferente, e é muito interessante ver esse desenrolar. Não irei falar mais porque acho que seria spoiler, mas nós acabamos torcendo para que todos tenham um futuro melhor.

Uma cena me marcou bastante: quando Pedro Bala é preso. Gente, sério, a prisão e o reformatório são lugares horríveis. Trataram Pedro Bala como se fosse lixo, ninguém merece passar por isso, ainda mais um garoto de 16 anos. Sim, se comete crime tem que ser preso, mas não acho que o detento tem que levar chicotada e ser privado de comida, isso só deixa a pessoa com mais raiva dos policiais e do sistema e, consequentemente, ele acaba voltando a cometer crimes (com mais sede de vingança). Infelizmente alguns presídios ainda são assim aqui no Brasil. É claro que são melhores do que os de anos atrás, mas ainda assim são precários, o que é uma tristeza. Vivemos com a superlotação e com situações desumanas quando o que deveria ter no sistema carcerário é a ressocialização do indivíduo.
A liberdade é como o sol. É o bem maior do mundo.
Sei que acabei me estendendo em um tema que não é o foco do livro, mas não tenho culpa se “Capitães da Areia” me fez refletir sobre inúmeros assuntos. Podemos perceber, portanto, que Jorge Amado nos apresenta uma história atemporal.

O livro é narrado em 3° pessoa. O narrador é onisciente, então ele sabe de tudo, mas é indiferente ao que acontece. Esse foi o primeiro livro do autor que eu li e a leitura fluiu muito bem para mim. Nas falas nós encontramos marcas da oralidade, achei isso muito importante até porque os meninos não iriam falar de forma culta.


Comparei os Capitães da Areia com os meninos da Candelária, mas poderia comparar com garotos que vivem na favela de Curitiba - que ainda é pequena comparada com as favelas de São Paulo ou do Rio de Janeiro, porém, que deve ter as devidas precauções. A gente precisa olhar além dos nossos círculos, perceber que são somente crianças e que estão naquele mundo não por escolha, mas sim por descaso social devido às desigualdades.

Indico esse livro para todos, sem exceção. Pode ser que esse livro te tire da zona de conforto, mas é assim que crescemos como pessoa.




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