Livro: O Sonho de Lucas
Autor: Marcelo Vinícius
Páginas: 116
Ano: 2018
Sinopse: A história divide-se em duas partes. A primeira é uma narrativa em terceira pessoa; e a segunda é em primeira pessoa, na qual esta se passa por meio do olhar de um jovem chamado Lucas, estudante que sonha em cursar faculdade e cuja vida familiar está em decadência.
Lucas fica arrasado quando sua mãe, Kátia Fernandes, separa-se de seu padrasto, surgindo, a partir daí, dificuldades financeiras para que pudesse completar seus estudos. Esse fato — entre outros — provoca, ainda, turbulências na relação com uma garota que ele conhece na internet, Caroline, e que, por motivos absurdos e beirando à loucura, nem sequer conseguem se encontrar no local combinado, para se conhecerem pessoalmente.
Ele, então, procura superar determinados problemas, os quais aparentam se resolver; porém, há ainda muitos desafios pela frente, como lidar com uma inesperada doença angustiante de sua irmã Melissa e de sua mãe.
Lucas é sinônimo de luta pela realização de seus sonhos por meio das experiências que passa na vida, que retrata os conflitos emocionais pelos quais passam muitos jovens; no entanto, O sonho de Lucas narra também a história de uma família que está de ponta-cabeça, como uma metáfora das contradições e dos dilemas de uma classe cujo poder, status e domínio social se constroem em cima do sofrimento humano.
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Inicio essa resenha com Ana Rita Ferraz, a responsável pelo prefácio que encontramos nas primeiras páginas do livro O Sonho de Lucas. “Marcelo não mente. Não oferece garantias para saída segura do labirinto. Não há saídas, assim como não há entradas. Ou, por outro modo, são múltiplas as saídas, são infindáveis as entradas. Este é um livro de paradoxos.”
O inferno de Sartre, as sombras de Platão, as almas de Dante, as histéricas de Freud, o jovem Werther de Goethe, o inseto de Kafta, o Raskólnikov de Dostoiévski, esses seres errantes, malditos... Fujam de mim, malditos!
Paradoxal. Sócrates dizia para questionarmos tudo ao nosso redor e eu acho que fiz isso nesse livro. O que é real? A confusão entre o que é verdade ou imaginação só deixa a leitura ainda mais interessante. A narrativa do Marcelo me deixou tão confortável durante a história que eu tive um comodismo, mas esse conforto durou somente algumas páginas, pois conforme as palavras eram lidas eu me deparava com a minha verdade se desmanchar. E foi assim durante todo o livro. Verdade absoluta? Sinto que não há.
Lucas vive com a sua irmã Melissa, sua mãe Katia e o seu padrasto – na verdade a mãe de Lucas é uma amante. Elton, seu padrasto, desaparece sem alguma explicação plausível e é a partir daí que as coisas começam a desandar. Lucas percebe uma responsabilidade cair em suas costas em relação às condições financeiras, que estão cada vez mais precárias, e uma preferência da mãe pela sua irmã Melissa (o que claramente deixa o nosso protagonista pensativo). Em meio a devaneios, pensamentos cobertos de ecos e sonhos que beiram o inusitado, encontramos uma mente delirante.
O sonho de Lucas pode ser analisado de forma ambígua. Temos a aspiração por algo – no caso de Lucas é entrar na faculdade de Medicina – e também a parte freudiana, o ato de sonhar. Nesse caso, me identifiquei muito com a última análise. A minha noite é constantemente marcada por sonhos – óbvio que não são tão problemáticos como o de Lucas –, mas quantas vezes me peguei pensando em uma explicação para determinado devaneio? Como o significado de sonhar que está acordando quando na verdade não está, por exemplo. Qual o significado disso? Há uma coerência para as coisas acontecerem? Qual o porquê de sonhar que a mãe está morrendo? É vitalidade ou falência?
Há uma incerteza durante a narrativa sobre o que está definitivamente acontecendo e o que é um sonho de Lucas, e essa dúvida foi escrita de uma maneira muito delicada, porém com uma veracidade que nos preenche de reflexões. A narrativa faz uma distinção bem clara sobre o que é sonho e o que não é, mas isso não significa que eu não fui enganada, pelo contrário. Começava um capítulo acreditando em determinada coisa, mas no final da página era surpreendida por “então acordei”, e essa foi uma experiência interessante.
Então... Lucas acordou, mas ainda era madrugada. O frio da noite estava ali; aquele sono adormecido pela chuva na janela, que causara um estado febril em Lucas, estava também li. Assim, ele apertou os braços, oprimiu os lábios com a boca em fogo, se apertou convulsivamente, tentando sufocar a lembrança do sonho.
O cenário criado por Marcelo é simples e sem muito detalhes. A escrita dele é direta, indo logo no objetivo. Entretanto, a objetividade na escrita não nos poupa da subjetividade em relação ao que os personagens realmente têm e são. Talvez tenha uma pitada de esquizofrenia, depressão ou ansiedade. Não sabemos ao certo porque o livro não há rotulações e isso torna a história ainda mais cativante. A diferença entre a primeira e segunda pessoa na escrita não deixou a narrativa confusa, pelo contrário, a minha leitura com esse livro foi tão fluída que não tive problema algum com isso.
Poderia dizer que o livro é quase um ciclo. Quando cheguei ao final tive a impressão de estar lendo o primeiro capitulo e, realmente, há similaridades. Posso dizer então que o final se tornou um recomeço? Acho que sim.
Fiquei muito surpresa com esse livro. Foram 114 páginas lidas em um dia com muita curiosidade. Indico para quem gosta de leituras enigmáticas e com uma pitada de psicologia. Não espere certezas claras pois buscar o concreto talvez traga ainda mais dúvidas.